segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

17

É difícil, estou tentando me habituar ao novo eu. Eu mudo intensamente à todo instante e a minha percepção sobre isso é lenta e rápida ao mesmo tempo, eu sinto a cada instante que sou outro e estou me firmando sobre o meu resto, porém, eu só consigo fazer a síntese do que sou e do que era no instante em que sento e escrevo. Não, não é no instante que sento e vou escrever, é no instante que sento e escrever, pois o meu texto sai de modo tão solto e fácil que nem sinto que escrevo, ou sinto tão fundo que nem percebo. Relevo a preocupação que tenho com meu corpo e minha imagem, mas quando se é notado é "inignorável" assim como a morte é "inignorável". Talvez tenha errado em comparar a vaidade com a morte, porém me ocorreu e não o ignorarei. Hoje me perceberam que cresci, que meus ombros se alongaram, que minha barba está grande, e para uma criança dizer que sua barba está grande é piada: que barba? Eu não tenho barba. Tapinhas no ombro e dizem que estou troncudo, o que é isso. Nessa hora não consigo me lembrar onde foi que deixei de ser eu mesmo. Olhares, atenção exacerbada que me dão. Mas esperem! Eu não sou tudo isso que vocês querem de mim. Eu na verdade sou o oposto do que vocês imaginam de mim. Na verdade eu sou incomensurável. Não, eu não sou incomensurável, mas acho que um dia vou ser. Eu vi um filme comum, e tive uma catarse tão estranha. Não tenho a vida daquelas pessoas, mas é como se eu tivesse. Eu desejo, mas tenho receio em compartilhar daquelas vidas, pois sei que não vou me completar agindo diferente da vida que me foi dada, mas partilho da vida de todos, e isso é suficiente pra me satisfazer pelo instante em que me coube pensar em ser o outro. Me procure de novo quando eu duvidar de mim. 
Agora vou fazer um parágrafo pois reli um miniconto meu e ele não tinha parágrafos. Fiquei perplexo, mas acho que ele é completo em sua ausência de parágrafos. Vou contar uma particularidade: fiz aniversário. antes era uma festa, começava a contagem regressiva no dia primeiro de janeiro. Depois começou a me importar menos, me lembrava uma semana antes. E esse ano percebo que me tornei homem do corpo. Mas da alma ainda encontro dificuldades em me afirmar, e nem me esforço, quero aproveitar o gosto que cada número têm na boca: 14, 15, 16, 17 ... Meu amor por mim mesmo tem ultrapassado meus preconceitos de me ser, e tenho partilhado do amor da vida por mim, e da vida pelos outro, estou mais evasivo e ... (acabo de procurar essa palavra no dicionário pois ela me ocorreu e não lembro de seu significado) estou evasivo de mim mesmo. Estou correndo e me admirando correr, e admirando quem me vê correr. Sempre quis habitar a pele dos belos, mas hoje sinto que só posso suprir a beleza sendo o seu oposto, ou seja aquele que é dado a admirar, mas sinto mais fundo ainda que posso suprir a beleza sendo belo e sem saber. Viver levemente é gostoso, e deixar-se viver para os outros é um prazer fino que escorre como meu, e é só isso que sinto, uma leveza de mim mesmo, uma beleza. 

sábado, 4 de janeiro de 2014

E uma história, e outra história e duas história e uma úlcera superficial

Tenho me sentido vazio, e se não escrevo, não sou. Desisti da ideia de escrever diariamente porque cansei-me. Mas tenho certo vazio em produzir e não relatar, torna-se inconsolidado. Por isso seguirei produzindo e relatando. Relatar e uma forma de me existir. Tenho tido desejo de cultivar samambaias. E isso foi um parentese. Perdi completamente a ideia-viva do do último Elefante Nadador, me libertei da obsessão por alma e estou mais superficial. Úlcera superficial. Tive novo conto: Certo dia enquanto lia, subitamente no meio das palavras, apertei a língua entre os lábios rígidos e senti, como uma revelação remota, o gosto de um biscoito na boca. Mas não era qualquer biscoito, era um biscoito de polvilho frito que minha avó paterna Geraldina costumava preparar de tarde quando a família se reunia. Minha avó teve um derrame à um ano, e dificilmente alguém na família saberia preparar aquele biscoito. E então passados dias, num domingo minha tia Maria, primogênita de onze filhos, veio nos visitar e comentamos sobre o biscoito de polvilho frito e minha vontade de comê-lo. Minha tia então contou-nos que sabia prepará-lo e o fez. 
Esse conto saiu rápido e capenga com palavras ridículas como "legado" e "carinho" juntas na mesma expressão. O outro que escrevi é uma revelação e auto-reconhecimento a partir de pelos que se encravaram no meu rosto. E esse foi perfeito. 
Tenho analisado a palavra "perfeito" e vou falar sobre ela em um exercício de crônica: Quando eu era criança tinha uma percepção quase que obcecada em acreditar fielmente que a palavra perfeição estava fixada à palavras "completo". Logo eu achava que algo só seria perfeito se fosse completo. E assim eu dizia pra mim mesmo que um homem só seria perfeito se risse e chorasse, um cachorro só seria perfeito de latisse e calasse-se, uma flor só seria perfeita se abrisse e fechasse, um amigo só seria perfeito se brincasse e brigasse e assim por sucessão. Pensando nisso refleti hoje que a perfeição é um contraponto e o homem é um contraponto, logo tudo aquilo que não é um contraponto não é perfeito porque não é completo, não possui dois lados, só um. E o homem que verdadeiramente é homem chora (um contraponto histórico) porque é completo. O choro é o contraponto do riso e assim aquele que não chora não é um contraponto, não é completo, não é perfeito, não é homem, não é humano ...
Realizo aqui outro parentese: acabo de consultar ao dicionário, a palavras "contraponto" e nele encontro a seguinte descrição "O que contrasta com algo e, ao mesmo tempo, o COMPLETA" e assim não é preciso dizer mais nada.
Eu poderia ter utilizado o último parágrafo acima como um possível miniconto para o concurso porém não o fiz por falta de vontade, e desistência de omitir o que venho escrevendo nas últimas semanas como fiz com os dois contos. Quero servir mais e por isso agora contarei histórias que sei a muito tempo sobre vinhos:
Jundiaí é a terra da uva e por incrível que pareça nenhuma família residente da cidade têm sua própria videira e isso é absurdo. Particularmente gosto de vinho tinto, e um velhaco da praça chamado Lourenço lia seu jornal todas as manhãs na praça da matriz, jogava xadrez com outros senhores expostos aos maledicentes por aí que os chamavam de vagabundos. Pouco se sabia de Lourenço apenas era sabido que ele tinha todas as espécies de desgraças da velhice, havia desacreditado da medicina que tanto o internou e o obrigou a seguir regimes e remédios, certo dia disse que não voltaria mais ao consultório e não voltou. Todas os dias ia ao Bar do Márcio e pedia uma taça de vinho tinto, bebia, voltava pra casa e almoçava. Seguia firme, todos os elogiavam pela bravura e boa fé de viver, diziam até que era um milagre da medicina alternativa (coisa que Lourenço nem era adepto) havia desafiado a medicina e vencido. Até que um dia foi ao Bar do Márcio e pediu o rotineiro cálice, porém o vinho havia acabado. Na manhã seguinte Lourenço amanheceu morto.
A segunda história é sobre um menino que orava ao Senhor Jesus todas as noites e sempre pedia que seus desejos fossem realizados. E ele conseguiu tudo o que queria, então ele não tinha mais desejo nenhum e não sabia o que pedir mais em suas orações. E em uma noite começou então a pedir que os desejos de seus parentes amigos e conhecidos fossem realizados. No dia seguinte ele bebeu vinho tinto que restava no fundo da garrafa. Despejou na taça misturou e cheiro. Era rico, era único e último. Bebeu calmamente e leve para saborear e não perder nenhum segundo ou gota. O vinho era tão precioso quanto água.
Isso é tudo o que eu tenho hoje, uma úlcera superficial.