domingo, 20 de outubro de 2013

Matheus

Dizem que é possível perceber o caráter da pessoa pela forma como ela trata seu garçom, e isso é verdade. Desde que comecei a praticar o ofício, tenho aprendido que as pessoas são o que aparentam, porque se não fossem, não aparentariam.
Ontem, excepcionalmente tive o prazer de servir um copo de água a um garotinho chamado Matheus. Uma criança linda, de traços finos e voz acalentadora. Passei de relance pelo quarto da cama elástica, onde ele pulava sozinho:
- Olha como eu pulo alto! - ele disse.
- Eu tô vendo. - falei.
- Você pode ficar um pouquinho aqui comigo ?
- Mas eu tô trabalhando, tenho que lavar louça, varrer o chão ... - falei lançando um olhar pelo corredor do salão. - Você já varreu o chão ? 
- Eu não, num sou adulto.
- Eu também não, só tenho dezesseis.
- Ah, você é adolescente ...
- Posso ir agora ?
- Fica só mais cinco minutinhos. 
- Tá bom. - desisti.
Ele continuava pulando, então tentei puxar assunto usando aquele diálogos simples e sem interesse que as crianças tratam como se fosse um assunto interessantíssimo. 
- Como você chama ?
- Matheus !
- Quantos anos você têm ? 
- Seis anos.
- Logo, logo você vai ser grande, hein. - Então tive vontade de saber o que esse baixinho pensava. - Você quer crescer ? 
- Quero. 
- Por quê ?
- Ahh ... é ... pra varrer o chão !
Eu fiquei pensando em toda essa despretensão da vida que as crianças possuem, e percebi q a única causa da infelicidade social que atinge a todos é justamente esse negócio de saber de tudo, ter obrigações e responsabilidade. Lógico que Matheus vai crescer e vai descobrir que crescemos não só pra varrer o chão, mas eu posso "descrescer" e acreditar que cresci só pra varrer o chão. A obrigação só depende daquele que a faz.
Depois disso conversamos sobre a China, pandas, urso polares e pinguins. Um amiguinho dele chegou e eu fui varrer um chão desejando que Matheus não fosse embora sem me dar tchau. 

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ensaio sobre o Nascer e o Crescer

Seria quase normal, quase natural. Se não fosse oscilante. Quantos homens são necessários para destruir um mundo ? Quanto tempo leva pra devastar um nação inteira edificada na memória familiar, afeição, prazer, comodidade e segurança. Em busca de apenas uma coisa. A coisa, uma coisa, nova coisa. Qualquer coisa.
Mas e essa qualquer coisa, oque é ? Resposta simples, fácil, e objetiva. Eu não sei. Você não sabe. Ninguém sabe. Só uma única coisa é certa. Ela é Tudo. Mas se ela não for Tudo, também não vai ser Nada.
Exijo apenas uma explicação, Deus. Por que o único fim é A Morte ? Por que pra acabar é necessário "desexistir" ? Porque o fim é reduzir a coisa ou nada ? Mas a coisa não pode ser reduzida ao nada. Porque a coisa é irredutível. "A Luta é desigual." dizia Clarice L. enquanto comia frango. Não adianta reduzir a coisa porque a coisa só pode ser reduzida a própria coisa. E quando a coisa deixa de existir, vira lembrança. e Passa a existir mas irredutível do que nunca.
Mas oque é a coisa. A coisa é minha. A coisa é sua. A minha coisa é o Crescer e o Nascer. Fui incumbido de matar pra sobreviver. Assim como você. E a minha vítima sou eu próprio. Preciso me suicidar, me fecundar e me parir. A primeira luta da vida humana é a mudança. Claro que cada ser humano tem sua luta particular e universal, mas a mudança é a única comum a todos. A minha luta andava lenta e inofensiva, porém ontem ela me perseguiu por cada canto da minha casa, hoje me ronda na noite, amanhã ela possui minha mente.
Ela é uma doença incurável, uma super bactéria, um câncer. Tenho duas opções: vegetar, apodrecer e morrer, ou me suicidar, morrendo para vencer a luta, renascendo da própria morte e vivendo com sequelas.
E essas sequelas ? Elas não serão nada além de mim. Passarei a viver como as sequelas me obrigarem, me adaptando a um novo mundo de condições e tendo como deleite as Memórias. As memórias da vida que foi, que tive, da nação inteira edificada na memória familiar, afeição, prazer, comodidade e segurança, que um dia eu transmitirei para um ser humano que um dia também ira se suicidar pra renascer. Seria quase normal, quase natural. Se não fosse oscilante.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Razão e Circustância

Para aqueles adeptos do cristianismo talvez pouco saibam mas Benjamim, filho caçula de Jacó com Raquel, mesmo que tivesse sido retirado do útero da mãe pela mão direita, não trouxe Felicidade (o que diz respeitos ao significado do nome) ao nascer, pois a mãe, o útero que gerou um rei (José, irmão mais velho de Benjamim, que um dia ainda seria rei do Egito) morreu no parto do segundo filho ...
Talvez Felicidade não tenha sido o motivo pelo qual em um EUA ainda em surgimento, nascia um Benjamin Franklin pobre e autodidata que mais tarde com uma simples pipa (e um choque elétrico) iniciaria uma corrente de estudos sobre a Luz ...
Mas e a Luz ?
Não, a Luz não possui relação alguma com a Felicidade por mais que a mente humana tenho o impulso de unir- las, pode-se dizer que dá pra ser feliz na penumbra ...
Talvez nascer idoso e morrer criança possa ser uma incrível metáfora sobre o tempo, mas não é tão fácil na pele de Benjamin Button (no filme protagonizado por Brad Pitt) alcançar-lá, tanto que ele a possui apenas por um curto tempo ...
E o Tempo ? Há relação entre o Tempo e a Felicidade ? Dizem que o tempo cura de tudo, mas não traz Felicidade pra ninguém, ao menos ameniza o espírito e amortece a alma.
Será que Chico Buarque fazia juízo do significado do nome ao qual alcunhou seu personagem Benjamim, no romance homônimo. Um homem totalmente perplexo que buscava a Felicidade através de memórias da mulher do passado e relapsos da mulher do presente ? Acho que Chico como bom músico que é, só tinha interesse na sonoridade adocicada e sublime deste nome.
O único intuito que me fez tomar posse desse nome é o significado relativo a Felicidade e a sonoridade lúdica e pura. Em tempos de guerra todo homem é uma ilha, e nessa ilha a única labuta é a caça à uma espécie rara: a Felicidade.
Essa rara ave de rapina, que dizem ter uma carne doce, de gosto pleno é talvez a grande fome da humanidade e é por ela que todos procura, em suas próprias ilhas, Eu mero caçador estou buscando a minha através dessa máscara que é Benjamim. Apenas uma face que vê o próprio mundo de vários pontos de vista.
Assim como todo bom rato de biblioteca só sei me expressar escrevendo, nem mesmo falando consigo. Tenho reações lentas e uma mente sem conceitos, só rubricas. a minha busca pela ave de rapina será minuciosa e introspectiva, só peço a qualquer possível leitor, paciência, pois como toda criança que precisa de muito tempo e cautela para crescer, meu Benjamim acaba de nascer, retirado pela mão direita ... a da Felicidade.