domingo, 10 de novembro de 2013

Do amor paternal e da verdadeira vocação existêncial

No ano passado eu odiava crianças. Esse ano fiz planos para ter três filhos. Tenho dezesseis anos. Mas estranhamente sonho em ser pai. Minha irmã diz que a chegada de três primos repentinamente amaciou o coração de todos nós, mas eu acredito que seja uma certa evolução de caráter e sentimentalismo. Fui uma criança muito amada, mas chorei muito pouco. Desde cedo percebi que a vida era dura e quem chorasse muito não venceria. Hoje na adolescência, choro tudo o que não chorei quando criança, quando fico muito tempo sem chorar me sinto seco e então se não tenho tristeza própria caço alguma em livros e filmes. É uma cede que tenho e que estimulo, sinto até certo prazer em sofrer (é uma forma de saciar a pena que sinto de mim mesmo), depois levanto e sigo a vida.
Diferentemente dos poucos amigos que tenho e das minhas ligações com o mundo, eu quero ser pai. Não sinto desejo algum de aproveitar a vida "aproveitando a vida", dá forma convencional, que todo mundo faz e acreditar ser transgressor. Aproveitar a vida é fazer aquilo que te traz satisfação, e a vida é curta. Primeiro fato. Rodeios são curtos. Segundo fato. A nossa casa dura mais tempo. Terceiro fato...
Hoje voltei de viagem, fui à praia, que pra mim é um pouquinho de Deus na Terra. E dessa vez encontrei também um anjo. Em família as viagens são tumultuadas por gente, e tenho muitos primos. Nessa manhã um menino loirinho de seis anos apareceu em nossa barraca:
- Ei, eu tenho um monte de carrinhos. Vamos brincar ?
Sentou com a gente e em poucos minutos já tinha feito amizade com todo mundo e era como mais um filho de outra mãe. Correu, gritou, brincou, dançou. Depois quis entrar no mar, mas tinha medo de ir sozinho e a mãe nem importava-se com o menino solto pela praia, ele foi comigo ...
Na água ele se preocupou com coisas que passavam debaixo do pé dele, então eu peguei uma bolacha-do-mar, e disse:
- Olha só, chama-se bolacha-do-mar.
- E pode comer ?


Eu fico admirado e contente quando tomo esse choques de imaginação infantil. Pra mim essa é a verdadeira realidade, a chatice de que os adultos se gabam é pura mentira inventada pra encher de não sei o que o vazio que o crescimento traz pro ser humano.
Daí que, papo-vai-papo-vem, esse garoto chamado Marcelo, passou o dia inteiro no meu encosto, rindo, falando, cantando e dançando. Eu cuidei dele como se fosse meu filho, e ele achou em mim algum presságio de paternidade. O que me admirei dele foi sua total cumplicidade com qualquer pessoa que chegasse perto. Primeiro ele fez parte da nossa família, depois pescou com uma senhora na beira do mar, depois enfrentou uns valentões que estavam entrando na água, pegou um caranguejinho na mão, montou nas minhas costas,  me falou da namoradinha da escola, me abraçou, perguntou se eu era seu amigo, repetiu que era meu filho, me falou que o pai dele arrepia o seu cabelo, se coçou inteiro e arrancou a sunga dizendo que tinha um espinho, me viu ajoelhado e perguntou se eu estava mijando, mijou duas vezes, lutou, pulou ondas, engasgou e fez parte da minha via por um dia. Eu o amei como se fosse meu, acho que ele também me amou no fundinho da sua alma novinha, comeu frango comigo, tiramos uma foto, bebeu suco de uva, soltou pipa, e eu fui embora, ele correu pra mãe dele e entrou de novo na água junto com uma tia.
Ele me fez refletir sobre como seriam meus filhos, a mãe dele tão despreocupada me fez crer que não ligasse pro filho, eu tive até vontade de adotar ele. Me deixou um pouco triste quando se foi, quero deixar ele aqui nesse post, pra não me esquecer do meu filho da areia. É impossível exprimir o que se sente quando se tem um ser humano de amor à sua tutela, e como você faz de tudo pra protegê-lo (a despretensão da mãe fez meus parentes se ofenderem e insultarem o menino). É essa a razão da humanidade, transmitir, canalizar o amor que se ganha e se recebe ... E é a verdadeira vocação humana, por mais rodeios que o mundo possa trazer. Adeus, Marcelo...


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