sábado, 4 de janeiro de 2014

E uma história, e outra história e duas história e uma úlcera superficial

Tenho me sentido vazio, e se não escrevo, não sou. Desisti da ideia de escrever diariamente porque cansei-me. Mas tenho certo vazio em produzir e não relatar, torna-se inconsolidado. Por isso seguirei produzindo e relatando. Relatar e uma forma de me existir. Tenho tido desejo de cultivar samambaias. E isso foi um parentese. Perdi completamente a ideia-viva do do último Elefante Nadador, me libertei da obsessão por alma e estou mais superficial. Úlcera superficial. Tive novo conto: Certo dia enquanto lia, subitamente no meio das palavras, apertei a língua entre os lábios rígidos e senti, como uma revelação remota, o gosto de um biscoito na boca. Mas não era qualquer biscoito, era um biscoito de polvilho frito que minha avó paterna Geraldina costumava preparar de tarde quando a família se reunia. Minha avó teve um derrame à um ano, e dificilmente alguém na família saberia preparar aquele biscoito. E então passados dias, num domingo minha tia Maria, primogênita de onze filhos, veio nos visitar e comentamos sobre o biscoito de polvilho frito e minha vontade de comê-lo. Minha tia então contou-nos que sabia prepará-lo e o fez. 
Esse conto saiu rápido e capenga com palavras ridículas como "legado" e "carinho" juntas na mesma expressão. O outro que escrevi é uma revelação e auto-reconhecimento a partir de pelos que se encravaram no meu rosto. E esse foi perfeito. 
Tenho analisado a palavra "perfeito" e vou falar sobre ela em um exercício de crônica: Quando eu era criança tinha uma percepção quase que obcecada em acreditar fielmente que a palavra perfeição estava fixada à palavras "completo". Logo eu achava que algo só seria perfeito se fosse completo. E assim eu dizia pra mim mesmo que um homem só seria perfeito se risse e chorasse, um cachorro só seria perfeito de latisse e calasse-se, uma flor só seria perfeita se abrisse e fechasse, um amigo só seria perfeito se brincasse e brigasse e assim por sucessão. Pensando nisso refleti hoje que a perfeição é um contraponto e o homem é um contraponto, logo tudo aquilo que não é um contraponto não é perfeito porque não é completo, não possui dois lados, só um. E o homem que verdadeiramente é homem chora (um contraponto histórico) porque é completo. O choro é o contraponto do riso e assim aquele que não chora não é um contraponto, não é completo, não é perfeito, não é homem, não é humano ...
Realizo aqui outro parentese: acabo de consultar ao dicionário, a palavras "contraponto" e nele encontro a seguinte descrição "O que contrasta com algo e, ao mesmo tempo, o COMPLETA" e assim não é preciso dizer mais nada.
Eu poderia ter utilizado o último parágrafo acima como um possível miniconto para o concurso porém não o fiz por falta de vontade, e desistência de omitir o que venho escrevendo nas últimas semanas como fiz com os dois contos. Quero servir mais e por isso agora contarei histórias que sei a muito tempo sobre vinhos:
Jundiaí é a terra da uva e por incrível que pareça nenhuma família residente da cidade têm sua própria videira e isso é absurdo. Particularmente gosto de vinho tinto, e um velhaco da praça chamado Lourenço lia seu jornal todas as manhãs na praça da matriz, jogava xadrez com outros senhores expostos aos maledicentes por aí que os chamavam de vagabundos. Pouco se sabia de Lourenço apenas era sabido que ele tinha todas as espécies de desgraças da velhice, havia desacreditado da medicina que tanto o internou e o obrigou a seguir regimes e remédios, certo dia disse que não voltaria mais ao consultório e não voltou. Todas os dias ia ao Bar do Márcio e pedia uma taça de vinho tinto, bebia, voltava pra casa e almoçava. Seguia firme, todos os elogiavam pela bravura e boa fé de viver, diziam até que era um milagre da medicina alternativa (coisa que Lourenço nem era adepto) havia desafiado a medicina e vencido. Até que um dia foi ao Bar do Márcio e pediu o rotineiro cálice, porém o vinho havia acabado. Na manhã seguinte Lourenço amanheceu morto.
A segunda história é sobre um menino que orava ao Senhor Jesus todas as noites e sempre pedia que seus desejos fossem realizados. E ele conseguiu tudo o que queria, então ele não tinha mais desejo nenhum e não sabia o que pedir mais em suas orações. E em uma noite começou então a pedir que os desejos de seus parentes amigos e conhecidos fossem realizados. No dia seguinte ele bebeu vinho tinto que restava no fundo da garrafa. Despejou na taça misturou e cheiro. Era rico, era único e último. Bebeu calmamente e leve para saborear e não perder nenhum segundo ou gota. O vinho era tão precioso quanto água.
Isso é tudo o que eu tenho hoje, uma úlcera superficial. 

2 comentários:

  1. Rafael, gosto do seu jeito de escrever: provocador, filosófico,um gostinho refinado de ironia inteligente. Se fosse poesia me lembraria João Cabral de Melo Neto, que preferia as palavras ásperas, como úlceras, às bem comportadas, como carinho... Adicionei seu blog ao meu para que meus contatos possam encontrá-lo.
    Parabéns!

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    1. Obrigado pelo elogio, e pela ajuda sigo seu blog e adoro seus textos.

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